07 Novembro 2022
No voo de retorno do Bahrein, Francisco falou sobre a Ucrânia e os muitos conflitos do mundo. Ele falou de sua amizade com o Grão Imame de Al-Azhar, da importância de dar direitos e igualdade às mulheres, dos migrantes nos navios, dos abusos de crianças. E aos católicos alemães disse: "A Alemanha já tem uma grande Igreja evangélica, eu não gostaria de ter outra".
A entrevista é publicada por Vatican News, 06-11-2022.
Santo Padre, a única vez nesta viagem que o senhor improvisou foi para se referir à “martirizada Ucrânia” e às “negociações de paz”. Gostaria de perguntar ao senhor se pode nos dizer algo sobre como prosseguem as negociações por parte do Vaticano e outra pergunta: o senhor falou ultimamente com Putin ou tem intenção de fazê-lo proximamente?
Bom, antes de tudo: o Vaticano está continuamente atento, a Secretaria de Estado trabalha e trabalha bem, trabalha bem. Sei que o secretário, Dom Gallagher, se move bem ali. Depois, um pouco de história. No dia sucessivo (ao início) da guerra – pensei que não se pudesse fazer algo inusual – fui à embaixada russa para falar com o embaixador, que é uma boa pessoa. Eu o conheço há seis anos, desde que chegou, um humanista. Lembro de um comentário que me fez naquela ocasião: “Nous sommes tombés dans la dictature de l’argent” (Nós caímos na ditadura do dinheiro), falando da civilização. Um humanista, um homem que luta pela igualdade. Eu lhe disse que estava disposto a ir a Moscou para falar com Putin, caso fosse necessário. Mas me respondeu muito educadamente Lavrov (o ministro das Relações Exteriores, ndr) – obrigado – (mas) naquele momento não era necessário.
Mas a partir daquele momento, nos interessamos muito. Falei duas vezes por telefone com o presidente Zelensky; depois com o embaixador algumas outras vezes. E se faz um trabalho de aproximação, para buscar soluções. Também a Santa Sé faz o que deve fazer em relação aos prisioneiros, essas coisas... são coisas que sempre se fazem e a Santa Sé sempre as fez, sempre. E (depois) a pregação pela paz. A mim impressiona – por isso uso a palavra “martirizada” para a Ucrânia – a crueldade - que não é do povo russo, talvez... porque o povo russo é um povo grande -, é dos mercenários, dos soldados que vão fazer a guerra como fazem uma aventura, os mercenários... Eu prefiro pensar assim, porque tenho uma estima muito elevada do povo russo, do humanismo russo.
Basta pensar em Dostojevskij que até hoje nos inspira, inspira os cristãos a pensar o cristianismo. Tenho um grande afeto pelo povo russo e também tenho um grande afeto pelo povo ucraniano. Quando eu tinha 11 anos, havia um padre que celebrava em ucraniano e todas essas canções ucranianas eu as conheço na língua deles, porque eu as aprendi quando criança, por isso tenho um afeto muito grande pela liturgia ucraniana. Estou em meio a dois povos aos quais quero bem. Mas não só eu, a Santa Sé fez muitos encontros reservados, muitas coisas com êxito positivo. Porque não podemos negar que uma guerra no início talvez nos faça corajosos, mas depois cansa e faz mal e se vê o mal que uma guerra faz. Isso da parte mais humana, mais próxima.
Depois gostaria de me lamentar, aproveitando esta pergunta: em um século, três guerras mundiais! A de 1914-1918, a de 1939-1945, e esta! Esta é uma guerra mundial, porque é verdade que quando os impérios, seja de um lado, seja do outro, se enfraquecem, precisam fazer uma guerra para se sentirem fortes e também para vender armas! Porque hoje creio que a maior calamidade que existe no mundo é a indústria das armas. Por favor! Disseram-me, não sei se é verdade ou não, que se por um ano não se produzissem armas se poderia acabar com a fome no mundo. A indústria das armas é terrível.
Alguns anos atrás, três ou quatro, chegou de um país um navio repleto de armas a Gênova, e deveria passar as armas para um navio maior para levá-lo ao Iêmen. Os operários de Gênova se recusaram… Foi um gesto.
O Iêmen: mais de dez anos de guerra. As crianças do Iêmen não têm o que comer. Os Rohingya, transferindo-se de um lado a outro porque foram expulsos, sempre em guerra. Em Mianmar, é terrível o que está acontecendo… Agora, espero que hoje na Etiópia algo pare, com um tratado… Mas estamos em guerra em todos os lugares e nós não entendemos isso. Agora, nos toca de perto, na Europa, a guerra russo-ucraniana. Mas está em todos os lugares, há anos. Na Síria, 12-13 anos de guerra, e ninguém sabe se há prisioneiros e o que acontece ali dentro. Depois, o Líbano, falamos desta tragédia...
Eu não sei se já disse isso a vocês: quando fui a Redipuglia, em 2014, vi isso – e meu avô lutou no Piave e me contou o que acontecia ali - e aqueles túmulos de jovens... chorei, chorei, não tenho vergonha de dizer. Depois num 2 de novembro, que sempre vou ao cemitério, fui perto de Anzio e vi o túmulo daqueles jovens americanos, (mortos) no desembarque de Anzio. (Tinham) 19-20-22-23 anos e chorei, realmente, me veio do coração… E pensei nas mães quando batem à sua porta: “Uma carta para a senhora”. Abre o envelope: “Senhora, tenho a honra de lhe dizer que tem um filho herói da pátria... As tragédias da guerra.
Não quero falar mal de ninguém, mas me tocou o coração: quando se recordou o desembarque na Normandia, havia os chefes de muitos governos para celebrar. É verdade, foi o início da queda do nazismo, é verdade. Mas quantos jovens ficaram na praia da Normandia? Dizem 30 mil … Quem pensa naqueles jovens? A guerra semeia tudo isto. Por isso, vocês que são jornalistas, por favor, sejam pacifistas, falem contra as guerras, lutem contra a guerra. Eu lhes peço como um irmão. Obrigado.
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O Papa: “Três guerras mundiais em um século, sejam pacifistas”! - Instituto Humanitas Unisinos - IHU